Resumo Preâmbulo Lista de Figuras Lista de Siglas Introdução Primeira Parte: A fronteira e a Comunicação 1 Caracterização do Objeto de Pesquisa 1.1 Identidades e Espaços de Fronteira 1.2 Cultura, ideologia e meios de comunicação 2 Contextos de Inserção do Objeto da Pesquisa 2.1 Fronteiras Vivas 2.2 Pólos de Integração 2.3 Caracterização Geral 2.4 Jornalismo e Mídia Impressa 3 Abordagem Metodológica 3.1 Táticas de Aproximação do Objeto 3.2 Passos Concretos 4 Vozes sobre as Relações na Fronteira 4.1 Uruguaiana-Libres 4.2 Santana do Livramento-Rivera 4.3 Comparando os Dois Espaços 5 Caracterização dos Jornais 5.1 Jornais de Uruguaiana- Libres 5.2 Jornais de Livramento- Rivera Segunda Parte: A fronteira na mídia local impressa 6 Análise dos Textos Selecionados 6.1 A Fronteira 6.1.1 Preliminar: diferentes usos da expressão fronteira 6.1.2 Fronteira como amálgama cultural 6.1.3 Fronteira como transcendência do local 6.2 O fronteiriço 6.2.1 Nós, ou brasileiros ou argentinos ou uruguaios 6.2.2 Nós todos 6.2.3 Nós, da região fronteiriça ampliada 6.2.4 Nós, semelhantes implícitos Conclusões Anexos Referências |
4 Vozes sobre as relações na fronteira Os depoimentos coletados confirmam que as linhas divisórias ali demarcadas configuram-se em fronteiras-vivas. As relações entre os povos são dinâmicas, as interações são constantes, embora fique nítido que nem sempre a integração seja completa, processando-se várias formas de cooperação e entrelaçamentos entre os campos sociais presentes. A interação passa a ser estabelecida a partir de momentos de conflito, tensão ou harmonia, como é de se esperar em qualquer espaço de divisa, onde existam diferenças marcantes. Fica em destaque a questão estrutural existente nos pontos de contato de dois territórios com governos soberanos distintos, com línguas oficiais e manifestações socioculturais diferentes em vários aspectos. Existe sim uma fronteira naquele espaço, inclusive visível, cuja demarcação é o rio, a rua, o parque, mas que muitas vezes apresenta-se diluída. Sobressai nas conversas, nos relatos, nos discursos a necessidade que ambos os lados têm um do outro, com o objetivo de sanar suas necessidades. Através da colaboração, proveniente do esforço do outro, as dificuldades vividas e naturais das comunidades interioranas, são solucionadas e barreiras vão sendo derrubadas, mesmo que temporariamente. Brechas de um são preenchidas pela ação do outro de modo a se complementarem apoiando-se mutuamente, redesenhando o ambiente, reconhecido como área de fronteiras nacionais. As bordas naquelas localidades são borradas, espaços de ultrapassagem, e tornaram-se, graças a ação do próprio homem, porosas. Os limites impostos a partir de definições provenientes dos centros de decisão, distantes e, muitas vezes, desconhecedores da realidade dos povos que habitam regiões limítrofes dos territórios nacionais, nem sempre condizem com as necessidades e os anseios daquelas comunidades. Os intercâmbios desenvolvidos nas cidades observadas, se dão normal e constantemente e através de diversos pontos que não só os definidos pelo mercado, forte e importante para a economia local de ambos os países ligados na linha de fronteira. Várias são as formas de trocas e se dão no âmbito cultural, social, esportivo, político e até mesmo militar. Pelas diferenças que existem entre os habitantes de ambos os lados da linha de fronteira, e dependendo do momento vivido pela comunidade, é previsível que ocorram momentos de tensão. No entanto, o que se verifica é que as práticas destinadas a impulsionar o desenvolvimento dos processos interativos são inúmeras e acionadas para contornar momentos de dificuldades ou de conflitos entre as populações fronteiriças dos países envolvidos, de modo a garantir o convívio harmônico entre os grupos que ali se localizam. Este movimento que parece oscilar entre "o amor e o ódio", já está internalizado nos membros das comunidades fronteiriças, sem que seus moradores se dêem conta de que, em alguns casos, estão indo contra os interesses nacionais, a favor das causas locais e em outros, agindo de modo inverso, vão de encontro à posição integracionista. As ações se deslocam em direção ao outro, que, de certo modo e em determinadas ocasiões, faz parte do mesmo contexto, da mesma comunidade, do mesmo grupo que entende e compartilha dificuldades. Os sentimentos acionados em diferentes situações são de fraternidade, colaboração, compreensão e em outras de desavença, rivalidade, competição, resultando em acontecimentos, transformados em notícia várias vezes. De modo corrente, estas posições surgem nas conversas com os fronteiriços onde o tema é a fronteira mas pode ser confirmado em depoimentos fornecidos pelos habitantes de Uruguaiana-Libres ou de Santana do Livramento-Rivera ao falarem sobre seu espaço, seu contexto, seus vizinhos e a mídia local. topo 4.1 Uruguaiana-Libres A) Relações entre os vizinhos Os fronteiriços de Uruguaiana reconhecem uma certa hostilidade por parte dos brasileiros em relação aos argentinos e vice-versa. Cada um está voltado para o seu país, colocando o vizinho - neste caso tratado secamente como "o outro"-, em uma posição menor, deixando transparecer um clima de competição constante. Por outro lado, são obrigados a ressaltar que as relações de parentesco existem e continuam sendo estabelecidas, pois ocorrem muitos casamentos entre os moradores de lá e de cá, aproximando-os através das ligações familiares. Um dos aspectos que cria entraves para estas relações reside no fato de os filhos provenientes de uniões entre brasileiros e argentinos, de acordo com a legislação argentina, não poderem desfrutar de dupla nacionalidade, ou são brasileiros ou são argentinos, prevalecendo o lugar do nascimento. Isto faz com que as crianças - fruto destas uniões - nascidas no Hospital de Uruguaiana, sejam levadas para Libres e registradas lá, com a alegação de que o parto ocorreu em uma residência argentina. A Ponte Internacional, também chamada de Ponte da Integração66, é um forte ponto de contato, considerado pelos moradores locais como um marco da união dos povos. A ligação incrementou o comércio externo, transformando Uruguaiana no maior Porto Seco da América Latina67. Entretanto, por isso mesmo, tornou-se palco de inúmeras desavenças no comércio, envolvendo enfrentamentos entre caminhoneiros, transportadores e aduanas. A Retomada de Uruguaiana, movimento que culminou com o retorno daquele espaço para o território brasileiro, e para o qual foram mobilizadas forças militares do Uruguai, da Argentina e do Brasil, é lembrada a todo o momento. O episódio está presente em documentos e monumentos, mas nem sempre o sucesso da investida é atribuído à união dos três povos contra o inimigo comum. A diferença de línguas não representa, necessariamente, um entrave entre as duas comunidades. Uma prova disto foi o número de ligações e comentários favoráveis quando da criação do "Intercâmbio El Interior", nas páginas de O Jornal de Uruguaiana. De acordo com proprietários de bancas de jornais, o periódico uruguaianense é adquirido por leitores argentinos que transitam na cidade brasileira. Sete jornais argentinos são comercializados nas bancas de Libres. Poucos são os brasileiros que os adquirem, mas quando o fazem, a preferência recai sobre El Clarín. Ainda em se tratando da língua, no caso de Uruguaiana, o espanhol é opcional como língua estrangeira em algumas escolas do ensino médio. Do mesmo modo, escolas de Libres oferecem, em nível de ensino médio, o português como opção. Embora existam projetos para torná-lo obrigatório, somente o francês e o inglês têm essa obrigatoriedade nas escolas públicas argentinas. No âmbito escolar, a preocupação em estabelecer vínculos entre os cidadãos de ambos os lados da Ponte, vem desde a pré-escola. Nesse nível de ensino, as propostas de intercâmbio entre as crianças brasileiras e argentinas, estimulando uma relação de amizade e de respeito, tem como preocupação o conhecimento das diferenças. Por existir um número significativo de argentinos em Uruguaiana, quando ocorrem eleições na Argentina, o consulado faz um chamamento aos seus cidadãos, moradores daquela cidade e arredores, para que compareçam e exerçam sua cidadania votando. Com relação ao MERCOSUL, os moradores locais dizem que o Acordo, para a comunidade fronteiriça, "não funciona". Destacam que se os problemas envolvendo Brasil e Argentina, como as questões de importação e exportação, fossem pensados a partir da fronteira seriam melhor solucionados. Comentam sobre a cobrança exorbitante de pedágios como os executados na ponte que liga a cidade gaúcha de São Borja ao município correntino de Santo Tomé. Os fronteiriços tratam este fato como sendo um dos reflexo dos desentendimentos entre os dois governos federais, que, neste caso, diz respeito às verbas gastas para a construção da ponte. O resultado disto, segundo eles, é que "os brasileiros preferem fazer um percurso maior do que pagar o pedágio". Outro ponto de contato que vive relações conflituosas são as cidades de Itaqui (gaúcha) e Alvear (correntina), pois, conforme os repórteres de O Jornal, "a Marinha argentina é 'furiosa' e, a qualquer erro cometido por um brasileiro, ela age com rigor". Em 1938, já se tinha notícia de pescadores brasileiros sendo presos pela Guarda Costeira, até porque, segundo informações locais, eles sempre foram mais rigorosos no controle do Rio Uruguai do que os brasileiros da região. Algumas benesses que uma região pode oferecer à outra são desfrutadas, como o fato de brasileiros fronteiriços dirigirem-se a Corrientes para freqüentar o curso de Medicina lá oferecido, por ser mais perto do que o centro do Estado ou de Porto Alegre. Sobre o desenvolvimento da cidade fronteiriça argentina, os uruguaianenses a consideram parada no tempo: "embora a cidade seja um pouco mais antiga do que Uruguaiana, olhando da Ponte, se vê que Libres não cresceu". Por sua vez, a comunidade libreña é vista pelos argentinos, de modo geral, como uma comunidade rebelde e atribuem suas crises ao Brasil, principalmente à Uruguaiana. Na área do esporte, os fronteiriços reconhecem que ele não é muito desenvolvido na região. O tênis e o paddle, práticas tradicionais na Argentina, podem ser considerados esportes cultivados localmente, pois, como eles dizem, "daqui já saíram grandes campeões". Com relação à área cultural, existem ocasiões em que uma comunidade apóia a outra, divulgando eventos de interesse comum, como os que envolvem a "cultura gauchesca". No meio ambiente, a partir de iniciativa da Comissão Bi-nacional que atua em ambos os lados, existe o Dia do Rio Uruguai, quando campanhas de preservação são apoiadas por libreños e uruguaianenses. Um acontecimento que está sendo visto pela comunidade uruguaianense como fator integrativo para a região é a construção do gasoduto, segunda obra física que irá ligar os dois países a partir das duas cidades. Segundo a percepção dos moradores de Uruguaiana, o que mais chama a atenção da população local diz respeito a dificuldades com a imagem que os argentinos têm do brasileiro: "por uma questão histórica, o brasileiro continua sendo visto com maus olhos, quando vamos lá, só falta soltar um batalhão do exército atrás de nós para nos acompanhar". Por sua vez, expressões como nazistas, carrascos, rígidos, ríspidos, exigentes, prepotentes são freqüentemente empregadas pelos habitantes do lado brasileiro ao se referirem aos vizinhos. Embora alguns discordem, os jornalistas de O Jornal consideram que o fato de as duas aduanas estarem integradas, propiciou uma margem de negociação nos incidentes envolvendo fronteiriços, melhorando a relação neste sentido e diminuindo o rigor com os transeuntes de cá para lá. Da mesma forma, a integração aduaneira leva a acreditar que a idéia de um conflito armado entre os dois países é cada vez mais remota tornando-se desnecessário o grande contingente de quartéis na fronteira: "até os anos 60/70 se pensava em conflito, a cizânia entre os povos era estimulada no regime militar; a região ficou conhecida historicamente como agitada, por caracterizar-se no passado em cenário tenso". >No âmbito do jornalismo, de acordo com um dos editores do jornal El Interior, poucos são os movimentos de integração realizados no espaço fronteiriço, questão atribuída por ele talvez à diferença lingüística. Mesmo assim, segundo sua opinião, faz-se necessária a colocação de textos em português em jornais de Libres e em espanhol em jornais de Uruguaiana. Sobre as eleições municipais nas cidades brasileiras, o jornalista disse que não houve repercussão nos noticiários. De acordo com a opinião de um paulista (transferido para Uruguaiana por questões profissionais), e reforçada por moradores locais, a relação entre Brasil e Argentina não é boa, mas há momentos em que é possível "trocar figurinhas": "duas vezes, devido a minha atividade, fui buscar auxílio junto ao setor correspondente do lado de lá e consegui trabalhar em conjunto, mas, a partir de minha experiência, a relação com os uruguaios é melhor". A religião e o Carnaval são pontos de trocas positivas entre as comunidades da fronteira. O umbandismo ultrapassou a fronteira brasileira. Para Uruguaiana vêm diversas delegações do interior da Argentina na festa de Iemanjá. No Carnaval, as escolas de samba daqui são contratadas para fazerem shows lá e os turistas argentinos deslocam-se para Uruguaiana para "brincar" na cidade, porque, conforme a opinião de um entrevistado, porque "eles não têm ginga como nós". Aulas de espanhol e tango, apresentação de grupos de dança argentinos bem como exposições de artesanato são promoções feitas pelo Consulado Argentino em Uruguaiana, que tem a preocupação em trazer mais informações sobre aquele país aos brasileiros da fronteira, propiciando uma maior integração entre os povos. Os governantes em nível municipal desfrutam de um bom relacionamento, com a preocupação de conquistar vantagens para ambos os lados, tratando a fronteira como um todo. Mas nem todos os movimentos vão neste sentido: "há uma elite pouco permeável que não se dispõe a sair de seu lugar, nem abrir mão de suas regalias. As próprias cidades brasileiras localizadas na linha divisória não se vêem como um bloco e sua fragmentação é aproveitada pelos pólos centrais; caso se vissem como um mercado regional, apresentando projetos conjuntos, teriam mais força e suas ações seriam coordenadas com vistas ao progresso da região". A idéia que o representante da comunidade árabe-palestina tem a respeito da fronteira Uruguaiana-Libres é de que nela muitos moradores são de fora. Atraídos pelas ofertas e possibilidades existentes no local, moradores de outras localidades, como os árabes-palestinos, dirigem-se para a fronteira em busca de oportunidades: "A mudança cambial favorece a vinda de imigrantes que acabam ficando mas também provoca problemas sociais", entre eles o desemprego. Segundo ele, ocorrem seguidamente manifestações envolvendo os povos de ambos os lados da Ponte como é o caso de caminhoneiros argentinos contra caminhoneiros brasileiros, pois estes representam 90% dos motoristas de caminhões que trafegam pela Ponte. Como trabalha no ramo do comércio, sente os reflexos nas vendas a cada medida adotada pelo governo argentino com relação à aquisição de produtos brasileiros por parte dos correntinos já que vê o comércio de Uruguaiana voltado primordialmente para os habitantes do "lado de lá": "33% da economia de Uruguaiana está ligada ao comércio, nós dependemos deles.". Quanto à questão cultural, ele vê que há respeito dos uruguaianenses com relação à cultura da comunidade árabe e salienta que de uns anos para cá a aceitação tem sido maior até porque o grupo árabe-palestino se abriu para a comunidade local. Mas destaca que mesmo assim ainda existe um pouco de racismo e discriminação. Por este motivo, os árabes-palestinos têm procurado participar ativamente dos eventos socioculturais da comunidade. Eles participam dos desfiles da Semana da Pátria e da Semana Farroupilha, envolvendo-se no Movimento Tradicionalista Gaúcho e também nas comemorações carnavalescas. Ampliando o leque, ele faz parte de instituições voltadas para as questões sociais da comunidade como é o caso do Conselho Municipal de Assistência Social, do qual é o atual presidente. B) Relações da comunidade com a mídia local A comunicação entre os habitantes de ambos os lados, denominada por um argentino morador de Uruguaiana, como "semi-local", ocorre através de vários canais. Há um fluxo populacional intenso na região e as emissoras de rádio veiculam programas na língua vizinha em alguns horários determinados. Em relação aos meios de comunicação locais, os papéis desempenhados pelos membros da comunidade são variáveis. Um dia, quem é leitor do jornal, passa a colaborador, deixando nas páginas do veículo sua opinião sobre os acontecimentos. Segundo um dos redatores de O Jornal, existe na equipe que atua no veículo a preocupação de se colocar no lugar do leitor, noticiando acontecimentos que lhe interessem, principalmente aqueles cujo palco é o espaço fronteiriço. De acordo com seus repórteres, o maior enfoque do veículo são as notícias locais, tendo a preocupação em dar espaço para as pessoas que fazem/são notícia na comunidade. A repercussão de assuntos de cunho local é visível e confirmada pelos entrevistados que passam a agendar os temas trazidos pelo jornal local em suas conversas cotidianas. A despreocupação com o nacional, o internacional e até mesmo o regional, por parte do jornal, ocorre, segundo os trabalhadores do próprio veículo, devido ao fato de que um grande número de leitores obtêm este tipo de informação nos jornais Correio do Povo e a Zero Hora, editados na capital gaúcha e com circulação por todo o interior do Estado. No entanto, a "confusão" em definir se um tema é de âmbito local ou internacional é comum. Há situações em que se torna "fácil" para O Jornal caracterizar um incidente como de caráter internacional, neste rol estão temáticas fronteiriças vinculadas a variações cambiais, ao transporte de cargas - setor importante para a região, pois é o que mais gera empregos - assuntos que dizem respeito aos dois países embora tragam repercussões diretas à comunidade fronteiriça. Em outros casos, a definição da esfera em que se insere um evento não é tão simples de ser estabelecida. Podemos citar como exemplo o transporte de táxis uruguaianenses que ao cruzarem a Ponte são obrigados a pagar pedágio, sendo considerados pela Aduana do país vizinho como veículos estrangeiros. O fato é que, por não haver um acerto que dê conta desta situação "local", tal incidente pode se transformar em uma relação tensa, já que as regras para a atuação neste setor são bem severas, culminando em conflitos, que, por vezes, tornam-se notícia. Acontecimentos envolvendo contrabando, acidentes de trânsito e predações ao patrimônio público são freqüentes, e muitas vezes estão relacionados com incidentes envolvendo argentinos em Uruguaiana, ou brasileiros em Paso de Los Libres. Para evitar atritos na comunidade, o jornal opta por não colocar matérias polêmicas. Segundo o pesquisador e historiador local, a rivalidade entre os moradores de ambas as cidades é algo bem presente: "por vezes a Ponte parece o Muro de Berlim, outro dia pediram para que eu escrevesse isso na minha coluna, mas não atendi ao pedido". Questões sobre violência e tragédias envolvendo moradores locais têm uma forte repercussão entre os leitores. Edições como a de 20 de maio de 2000 que tratava de um brutal assassinato em Uruguaiana e que trouxe esta notícia como manchete de capa, esgotam-se rapidamente. Embora todos os entrevistados conheçam O Jornal, nem todos eram assinantes quando da entrevista, mas confirmaram que costumam recorrer ao veículo para obter informações sobre a comunidade local, considerando-se leitores, habituais ou eventuais. Fica confirmado que o jornal é tratado como um canal de acesso à comunidade. Por ele, as relações entre os habitantes locais flui naturalmente. O veículo é visto como porta-voz da população local, servindo de arauto, abrindo espaço para a discussão de temas que afetam o grupo. E este papel também é exercido por seus colaboradores, procurados pelos moradores locais para escreverem sobre assuntos que consideram de importância, tratando o jornal como um documento que registra os temas relevantes para a comunidade. Entretanto, a mídia é muito criticada também. Os jornais argentinos são acusados de estimularem a rivalidade. Um leitor comentou que: "os jornais de lá reforçam mais a rivalidade entre os dois povos; há pouco tempo o jornal La Nación veio aqui e difamou nossa cidade na tentativa de evitar que os argentinos viessem gastar aqui; pagaram um cara com uma metralhadora para mostrarem que aqui havia violência e bandidos". Na opinião de um brasileiro que, por motivos profissionais, atua e mora em Paso de Los Libres: "há muita retórica sobre a integração entre estes dois povos, mas a forte tendência é de valorizar sua própria região". Ele considera que "o espírito nacionalista fala mais alto e a mídia, por sua vez, não tem contribuído com o movimento integracionista, ela reproduz, é refém de um discurso político não muito solidário, que não atende à questão em toda sua complexidade". Pelo próprio porte da empresa, dificilmente um texto entregue por um membro da comunidade, sobre causas relevantes para o contexto, deixa de ser publicado, ou sofre alterações. Os colaboradores que levam material para ser divulgado pelo veículo têm praticamente a certeza de que suas palavras estarão estampadas no periódico nos dias seguintes e serão motivo de comentários nas ruas e bares. Raras vezes um destes colaboradores é desconhecido, pois passa a ser identificado naturalmente pela comunidade nas reuniões e encontros sociais de que participa, chegando até a ser tratado pelos membros da comunidade como representante do pensamento de um grupo. Para a publicação, não faz diferença se o indivíduo é empresário, agropecuarista, comerciante, historiador e pesquisador local, vereador, dona de casa, comerciário, professor etc. Ao se deslocar ou ligar para o veículo dando a sua colaboração ou fazendo suas críticas e cobranças, tudo é aceito tanto pelos dirigentes do veículo como por seus repórteres. Há uma proximidade, uma intimidade entre o público em geral e o veículo, bem diferente do que acontece com as empresas jornalísticas de cidades grandes, como capitais de estado, onde o leitor, o colaborador e até mesmo as fontes de informação são praticamente seres anônimos. O veículo também serve de canal de comunicação entre os comerciantes de Libres e a população uruguaianense. Estes o utilizam para publicar seus anúncios publicitários, divulgando produtos que estão mais baratos no território argentino. Do mesmo modo, para facilitar a vida dos consumidores libreños que vêm a Uruguaiana adquirir produtos diversos e manter as vendas locais em níveis satisfatórios, o comércio da cidade se sentiu obrigado a aceitar o bônus CECACOR, que circulou entre a comunidade fronteiriça argentina. Para o representante árabe-palestino da região, os jornais locais são fontes de informação a respeito de temas da comunidade. Neles, são buscadas notícias sobre política, economia e a área social; as notícias sobre o país vizinho que mais lhe interessam são economia, variações cambiais, questões que afetam a relação fronteiriça, principalmente envolvendo as transações comerciais. Por parte dos repórteres, há resistência para se deslocarem a Libres quando têm que realizar uma reportagem envolvendo a comunidade vizinha. Alegam que existem fortes rixas entre os habitantes dos dois lados da fronteira e justificam a posição de não ultrapassar a Ponte, argumentando que "até para passar na Ponte a polícia aduaneira argentina complica, por isso fazemos as entrevistas com quem está em Uruguaiana". Quando há necessidade de fazer uma enquete com moradores do lado de lá, os repórteres entrevistam correntinos que estão em Uruguaiana. topo 4.2 Santana do Livramento-Rivera A) Relações entre os vizinhos A fronteira existente em Livramento-Rivera é tratada - com orgulho - por seus habitantes como "A Fronteira da Paz": "aqui há integração do Uruguai com o Brasil, acontecem episódios onde a boa intenção exerce um domínio, somos uma só cidade, pois sozinhas [Livramento e Rivera] não podem viver; ao invés de um enfrentamento entre o Brasil e o Uruguai, há um entrosamento há muito tempo, até porque os primeiros moradores de Rivera eram portugueses e brasileiros". Este bom relacionamento, propagandeado por moradores de Livramento-Rivera, pode ser percebido como mais amigável do que o vivido por Uruguaiana-Libres. As diferenças entre brasileiros e uruguaios são destacadas com respeito pelos fronteiriços e são poucos os relatos onde tais diferenças são vistas com negatividade. Os temas de conflitos são trabalhados, na sua grande maioria, com vistas a buscar uma aproximação. Ao serem questionados sobre a existência da divisa, confirmam e apontam onde se dá o contato: a rua, o parque, os pequenos marcos construídos em concreto e colocados espaçadamente de modo a formar uma linha demarcatória. Não vão muito além destas marcas físicas e salientam que "aqui a fronteira é ligada, mas ao mesmo tempo é separada; as duas são uma só, a barreira é invisível". Eles ressaltam que a linha divisória é factual, recortada irregularmente, confunde o olhar e prédios, como o da Receita Federal do Brasil, parecem estar situados no território vizinho. O fenômeno tornou-se para eles emblemático. O MERCOSUL, segundo os moradores de Livramento-Rivera, não é novidade. Na região, instalou-se em 1911 um grande frigorífico americano. A carne era proveniente do Uruguai, a planta havia sido feita por um arquiteto uruguaio, com modelo inglês, os trabalhadores, por sua vez, eram brasileiros; os produtos ali elaborados eram exportados à Europa, de modo a atender os soldados em guerra. Para descrever os sentimentos mais fortes nas relações entre os fronteiriços, tanto uruguaios como brasileiros, utilizam-se de termos como solidariedade, harmonia, irmandade, entrosamento, união, amizade e apoio. As barricadas, construídas em períodos de conflitos, passaram a ser vistas como registros históricos, referência para que a população local saiba valorizar e intensificar as relações de boa vizinhança. Como destacam os historiadores locais, Rivera foi criada por decreto pelo governo uruguaio e vista com bons olhos pelos habitantes de Livramento da época, pois o objetivo era terminar com o litígio da área. A distinção do que deve ser tratado como internacional ou local é bastante confusa, um exemplo disto está no sistema de telefonia de Livramento para Rivera, que é considerado local, mas a distribuição de correspondências é tratada como internacional68. Santana do Livramento não possui aeroporto, mas para o fronteiriço da região o aeroporto de acesso é o de Rivera, sem que isto represente um vôo internacional. Entretanto, não é permitido o trânsito de um táxi santanense nas redondezas deste aeroporto, podendo seu condutor ser multado pela polícia riverense, por se tratar de espaço exclusivo para circulação de táxis uruguaios. Questões como esta são consideradas pendências nas relações entre os dois países. A sugestão dos fronteiriços é de que seja criado um Espaço Internacional que permita o encaminhamento de assuntos que dizem respeito à fronteira como a existência de linhas de ônibus intermunicipais que circulem entre Rivera e Livramento, como já ocorreu entre as décadas de 30/40. Do mesmo modo, a situação vivida pelo Parque Internacional, um dos únicos ou o único parque binacional do mundo, é um câncer deste entrave burocrático. As melhorias dependem de verba liberada pelo Itamarati, isto é, a partir de decisões provenientes de Brasília e de Montevidéu. Na imprensa, movimentos de intercâmbio como o caderno em espanhol de A Platéia, já ocorreram anteriormente. O periódico Jornada trazia textos em espanhol e português. Descrevem os pesquisadores da história local que, na época da Revolução de 30, ocorrida no Rio Grande do Sul, as gráficas de Rivera eram invadidas por forças brasileiras com freqüência, pois jornais editados em Livramento, como O Republicano, eram rodados na cidade uruguaia. Os jovens se relacionam com facilidade, mas ressaltam que a educação nas famílias e nas escolas uruguaias é mais rígida. A Rua Sarandi, a mais movimentada de Rivera, é o "point" da juventude local. De dia, ela oferece os free shops, cujo público-alvo são os turistas brasileiros que se dirigem à região para conhecer a peculiaridade local, dois países ligadas por uma rua, adquirindo produtos importados a preços mais acessíveis dos que os praticados no Brasil. À noite, a Sarandi se transforma. Pequenas portas, pouco visíveis ao dia, abrem-se ao público (cuja grande maioria é composta de jovens), elas são o acesso a bares e restaurantes que, ao cair da tarde, despejam nas calçadas mesas e cadeiras, tornando a rua um grande local de encontro. Nela, brasileiros e argentinos comungam, divertem-se, conquistam novos amigos e amores, saboreando os famosos doces uruguaios, regados a chopp ou vinho. Este é um dos espaços onde se pode constatar quase que diariamente, mas principalmente nos finais de semana, a convivência harmônica existente entre os dois povos. Mesmo que a conversa esteja acalorada e o assunto seja futebol (tema citado por todos como o único onde existe rivalidade entre brasileiros e uruguaios) não há motivo para desavenças profundas. E como lembra um morador local: "na época da Segunda Guerra, Livramento tinha um horário de racionamento de energia elétrica, quando as luzes da cidade eram apagadas, os santanenses cruzavam a rua e iam aproveitar a noite riverense." Além da educação uruguaia ser vista pelos brasileiros que habitam a fronteira, como mais rigorosa, estes consideram que o uruguaio é menos consumista, ao dizerem que "eles têm uma cultura mais conservadora, investem com mais atenção". E estabelecendo uma relação da cultura uruguaia com outras culturas, comentam que "Rivera tem um ar europeu". E isso se confirma, pois, conforme informações do comércio local, no setor de automóveis, considerado um bem de maior duração, "os uruguaios pesam os benefícios do produto com seu valor e ponderam sobre sua capacidade financeira para adquirir um carro novo, diferente do brasileiro que arrisca, assumindo uma dívida muitas vezes maior do que seu poder de compra". O que se percebe é que os pontos em que os moradores de ambos os lados estão de acordo são em maior número do que os apresentados com os habitantes da outra área de fronteira analisada. Um exemplo disto está nas críticas que riverenses e santanenses fazem a seus governos quando estes emitem uma nova regulamentação que prejudica o comércio local, trazendo reflexos na vida da comunidade, jogando a culpa pelo descompasso nas instituições de caráter federal. A aceitação de brasileiros por uruguaios e vice-versa pode ser constatada em várias frentes. Dentro de A Platéia, por exemplo, é possível encontrar mais de um funcionário uruguaio, morador de Rivera, que se desloca todos os dias de um lado ao outro da linha de fronteira, situação comum em vários estabelecimentos. Com relação à língua - considerada por muitos como nem tão distinta - em Livramento, nas escolas municipais de 5ª a 8ª série, o ensino de espanhol é obrigatório, nas escolas estaduais é opcional. Em Rivera, o português é ministrado no Liseu69, mas sua obrigatoriedade ainda está em estudo, pois este tipo de decisão, quando ocorrer, será de âmbito nacional, já que tal atitude não é prerrogativa do poder local. Ainda no que diz respeito à língua, os moradores de Livramento se deslocam para Rivera com o objetivo de freqüentar cursos de inglês, já que os centros de ensino desta língua são melhores estruturados na cidade uruguaia. É comum encontrar um santanense conversando com um riverense, cada um na sua língua, sem que isto seja um empecilho para que haja entendimento. Da mesma forma, o "portunhol" é acessado e códigos específicos do linguajar são colocados em prática sempre que necessário, ampliando o canal comunicativo entre os fronteiriços. Na área da cultura, Livramento restaurou há poucos anos sua sala de cinema. O Cine Internacional projeta filmes que estão em exibição nos cinemas de Porto Alegre e de outras capitais brasileiras, por isso moradores de Rivera deslocam-se a Livramento para assistir filmes novos70. Por sua vez, Rivera possui um teatro melhor equipado, para o qual os moradores de Livramento se dirigem com o objetivo de assistir a espetáculos, como peças teatrais e shows musicais, inclusive de companhias e grupos brasileiros. Mesmo considerada pela comunidade local uma região que promove poucos eventos culturais, em decorrência, segundo seus moradores, da falta de apoio, muitas são as iniciativas que buscam entrosamento entre artistas fronteiriços, como a Academia Internacional de Letras e a Orden Académica de los Intelectuales del Cone Sur que congregam escritores, poetas e artistas de ambos os lados. Atividades culturais promovidas por uma das cidades são prestigiadas pelos habitantes da outra. Um exemplo disto, e como também ocorre em Uruguaiana e Libres, pode ser visto na época do Carnaval ou do desfile comemorativo da Revolução Farroupilha, onde riverenses e santanenses se integram nas programações comemorativas. Segundo eles, na Semana Farroupilha - data marcante para o gaúcho e a região pampeana e fronteiriça em especial - o que prevalece é o "ser gaúcho", onde se reforçam as tradições e a lembrança da Província Cisplatina. A presença de quartéis tanto em Livramento como em Rivera é considerável, mas não é dada prioridade no tratamento deste tema tanto pelos moradores da fronteira como pela mídia local. Na área policial, as infrações às leis têm uma repercussão forte, pois as diferenças na legislação de ambos os lados, e de um em relação ao outro, causam entraves que necessitam ser solucionados localmente. Segundo um dos responsáveis pelo setor policial, "as cidades de fronteira são, por si só, complicadas; e neste espaço não existe um limite rigoroso entre os dois países". O roubo de carros, estelionatos, fugas de delinqüentes de um lado ao outro, assim como a prática de abigeato, são muito comuns, obrigando as polícias de ambas as cidades a firmarem "acordos extra-oficiais" de modo a realizar ações conjuntas como a perseguição e prisão de ladrões. Assim como o exército, as instituições religiosas são pouco citadas tanto pela mídia como pela população. Verifica-se em Livramento, defronte ao Parque Internacional, a existência de uma mesquita e de cada um dos lados deste Parque templos como os da Igreja Universal do Reino de Deus. No centro de cada uma das cidades, cerca de seis quadras da linha divisória, localizam-se as tradicionais catedrais da Igreja Católica, instituição forte no período de colonização latino-americana, mas hoje com pouca influência nas questões ligadas a limites territoriais. O árabe-palestino consultado sobre o contexto fronteiriço em Livramento-Rivera, é pai de quatro filhos, dois rapazes nascidos na Palestina e duas meninas, nascidas em Livramento. Sobre o relacionamento de sua comunidade com os habitantes da fronteira, salienta que "há dois anos atrás a sociedade árabe não tinha ligações com a área cultural, as relações eram só comerciais". Mas destaca que os filhos destes imigrantes agem de modo diferente, buscam se entrosar com a cultura local. Reforça a idéia de que o espaço Livramento-Rivera pode ser designado como "Fronteira da Paz", onde todos são simples, e a convivência é harmônica e respeitosa com os estrangeiros e imigrantes. A saudade da terra natal e o desejo de retornar - característica marcante neste grupo de imigrantes - fica estampada nas suas falas e nas poesias que publica periodicamente no jornal A Platéia, onde possui uma coluna voltada para produções literárias locais. Preocupado em manter viva a chama da cultura árabe-palestina escreve matérias em árabe para diversos jornais brasileiros e até para fora da fronteira, aproveitando a facilidade em manter contato com os países latinos vizinhos ao Brasil. Tem muitos livros publicados, em português e em árabe, a maioria editada em São Paulo, onde, por vezes, reúne-se com escritores árabes-palestinos de todo o Brasil. Assim como ocorreu com os árabes-palestinos de Uruguaiana-Libres, a postura de envolver-se com os movimentos comunitários passou a fazer parte desta comunidade. Neste sentido, seus componentes passaram a transitar por outras áreas como foi o caso deste entrevistado que, além de fazer parte da CAPOSAN, também participa da Orden Académica de los Intelectuales del Cono Sur onde a representação palestina é forte. B) Relações da comunidade com a mídia local Segundo um dos diretores de A Platéia, as questões ligadas à fronteira, na sua maioria, são tratadas pelo veículo como locais. As matérias nacionais e internacionais provêm de São Paulo e são enviadas por uma agência de notícias que as transmite através de boletins periódicos. A intenção do jornal é dar destaque aos acontecimentos da comunidade: "o que serve para a comunidade, e é importante, pode ser notícia". A opinião do responsável pelo caderno "A Platéia en Espanhol" é um pouco diferente, pois seu espaço de divulgação possui outros objetivos. Segundo o jornalista uruguaio, sua prioridade com relação aos temas que são notícia, respeitam a seguinte ordem: regional (incluindo-se aqui a fronteira) e o local. Isto quer dizer que sua preocupação ao editar o referido caderno é privilegiar os assuntos que envolvem Rivera e as cidades uruguaias vizinhas, deixando os acontecimentos que dizem respeito somente à cidade brasileira para as demais páginas do periódico. Do mesmo modo, acontecimentos ocorridos em Rivera são considerados relevantes para A Platéia e, preferencialmente, tratados no caderno em espanhol. Somente determinadas situações, como a posse do novo intendente da cidade uruguaia, são tratadas por mais de um segmento do jornal. Neste caso, a cobertura foi feita por repórteres que elaboraram textos em português e pelo responsável pelo caderno em espanhol. Portanto, o tema foi abordado sob dois enfoques e nas duas línguas. Economia e política são os temas que mais estão em pauta e, segundo o pessoal d'A Platéia, "o povo daqui se adiantou ao tema MERCOSUL; estamos conectados economicamente e este envolvimento tem reflexos na política e na cultura". Diferente do que ocorreu em Uruguaiana, os entrevistados indicados por A Platéia como fonte não confirmaram ser leitores assíduos do veículo, mas demonstraram interesse pelo periódico, considerado por eles como o melhor jornal impresso da cidade. Tanto eles como os entrevistados no grupo de leitores e colaboradores, buscam em A Platéia as notícias que dizem respeito a Livramento-Rivera e à região da fronteira como um todo. O que é trazido pelo veículo passa a ser agendado nos temas discutidos diariamente pela comunidade. Como ocorre com O Jornal, em A Platéia, seus colaboradores são procurados por integrantes da comunidade local, recebendo elogios sobre os textos e temas abordados ou solicitações e sugestões de assuntos a serem tratados futuramente. Por outro lado, como foi o caso dos textos publicados em árabe - na grande maioria poesias estampadas na "Página Literária" -, os leitores cobraram que não entendiam o que estava escrito, fazendo com que o veículo adotasse a postura de publicá-los em português. Tal decisão foi reforçada por uma questão técnica já que os novos programas de texto adotados pela empresa jornalística não viabilizavam os escritos em árabe. Verifica-se que as notícias relativas ao Uruguai, especialmente quanto a região da fronteira, são procuradas por moradores de Livramento nos jornais de Rivera, adquirindo-os nas bancas ou tornado-se assinantes dos veículos. Do mesmo modo, o jornal de Livramento possui entre seus assinantes moradores da cidade uruguaia, como os órgãos oficiais daquela cidade. Há também leitores riverenses que compram os jornais locais brasileiros nas bancas, mas a preferência recai sobre A Platéia "por conter um caderno em espanhol e cujas informações não são só sobre Rivera, mas sobre toda a região fronteiriça do Uruguai". topo 4.3 Comparando os dois espaços A partir dos relatos dos habitantes dos dois espaços analisados - Uruguaiana-Libres e Livramento-Rivera - percebe-se que há pontos comuns e pontos distintos, com especificidades próprias a cada um dos ambientes selecionados. Ambos os espaços são reconhecidos por seus moradores como uma fronteira. Não há como negar a existência de um marco, mesmo que expresso por uma tênue linha, que se configura como fim de um território nacional e início de outro, onde transitam constantemente os moradores de cá para lá e vice-versa. Em ambos os contextos também fica claro que a diferença entre as línguas oficiais não se constitui em um problema e sim estimulam a criação de expressões próprias reconhecidas por seus moradores. A freqüência com que textos em espanhol são veiculados nos jornais brasileiros da fronteira demonstra a aceitação e a familiaridade que os habitantes da fronteira, de modo geral, têm com relação ao espanhol, não sentindo dificuldades em lê-los. Assim como a estrutura física e geográfica (e sua institucionalização) das linhas de divisa estejam sedimentadas através de elementos diferentes - em um caso a rua ou o parque e no outro a ponte e o rio - a forma como os povos se tratam também é distinta. Percebe-se uma relação mais afetuosa entre santanenses-riverenses e mais tensa entre uruguaianenses-libreños embora existam laços de parentesco e de amizade nos dois casos. Pelo número de quartéis na região, verifica-se que existe uma presença muito forte das forças militares nas quatro cidades até porque foram inúmeros os conflitos históricos que ali ocorreram, e onde o espaço local serviu de campo de batalha por colocar em risco a soberania nacional dos países envolvidos. É com esta preocupação que a expressão "Fronteira da Paz" é muito empregada por santanenses-riverenses, num esforço constante de ressaltar a forma harmônica de convivência. Tal iniciativa pode ser compreendida pelo fato de que ambas cidades - que podem ser consideradas "siamesas" - estão "coladas" e qualquer confronto grave que ali venha eclodir resultará em um desastre para as duas. Assim, reafirmar constantemente a paz parece ser uma exigência contra o risco do conflito. Por outro lado, as instituições religiosas (uma espécie de garantia adicional), embora presentes na fronteira, estão bastante debilitadas se comparado com o poder e influência que tiveram outrora. Esta fragilidade, principalmente ligada à Igreja Católica, se dá também pela proliferação de outros cultos que conquistam fiéis provenientes de ambos os lados da linha divisória. O campo cultural, como era de se esperar, é bastante frutífero para se verificar os entrelaçamentos entre os grupos fronteiriços. Através de manifestações populares ou institucionais os intercâmbios florescem e resultam em trocas positivas para a sociedade fronteiriça. Neste mesmo âmbito, o espaço fronteiriço é propício e receptivo para acolher outras culturas como é o caso da árabe-palestina, presente em ambos os espaços analisados. A legislação internacional, ou a falta de parâmetros específicos para os espaços fronteiriços, é vista como entrave para o bom relacionamento entre os moradores de ambos os lados da fronteira, trazendo muitas vezes resultados negativos para a harmonia dos povos locais. A responsabilidade por muitas das desavenças que ocorrem na fronteira é atribuída aos centros de decisão, aos poderes nacionais. Neste aspecto, o MERCOSUL não é visto como benéfico nem como uma novidade para os povos da fronteira que há muito comercializam seus produtos entre si. Por vezes, o Acordo é tratado pelos fronteiriços como prejudicial às transações locais, pois o comércio é um dos campos onde existe um fluxo constante, ocorrendo principalmente em esfera local em Livramento-Rivera e recebendo uma amplitude de internacional mais forte em Uruguaiana-Libres. Isto se justifica porque neste espaço o tráfego de caminhões de cargas para exportação é bem mais volumoso. No entanto, percebe-se claramente que esforços são realizados no sentido de - a partir do reconhecimento da existência de um outro - criar mecanismos e instituições que aproximem os dois lugares e os dois povos para que unidos conquistem benefícios em nível local. O tratamento dado pelos jornais locais à questão fronteiriça se dá na afirmação da presença do fenômeno fronteira nos mais diversos campos sociais, buscando dar ênfase às questões ligadas à comunidade local mesmo que essas tenham um cunho internacional. Segundo dizem os representantes dos veículos, uma das preocupações é de evitar que atritos entre os moradores das cidades nas quais os veículos estão sediados sejam estimulados nos jornais. Há de fato uma proximidade entre os jornais e seus leitores. A mídia impressa local é percebida por seus leitores como elemento de vital importância para a comunidade, retratando a vida cotidiana do lugar e abrindo a possibilidade de manifestações de membros importantes da comunidade. A tensão entre uruguaianenses-libreños foi incorporada pelos produtores das notícias que ressaltam o espírito de rivalidade entre os moradores do espaço fronteiriço. As declarações dos habitantes da fronteira serviram como indicativo comprobatório das impressões coletadas no convívio com os habitantes das cidades estudadas e também com relatos encontrados em documentos que demonstram de que modo se deram os movimentos sociais fronteiriços. O certo é que a fronteira, mais que um marco geopolítico configura-se em um elemento forte nos discursos e na vida dos uruguaianenses-libreños, santanenses-riverenses. Os dados trazidos pelas falas dos entrevistados funcionaram como subsídios para a interpretação e a compreensão de como se processa a presença da fronteira na mídia impressa local, que relações são reforçadas ou apagadas através dos usos da expressão fronteira, fronteiriço - e suas variantes - nos periódicos O Jornal de Uruguaiana, El Interior, A Platéia e Norte. Tais depoimentos corroboraram a perspectiva analítica proposta inicialmente, tornando possível alcançar o objetivo de ampliar a compreensão a respeito da percepção que o habitante local tem de si e do tratamento que é dado à fronteira. É neste contexto social peculiar e complexo que a mídia local elabora seu trabalho e para verificar como ela realiza sua tarefa - de participante e ao mesmo tempo de divulgadora dos acontecimento sociais - torna-se fundamental passar pela sua estruturação e, sem dúvida, pelos seus textos, o que será feito nos capítulos seguintes. 66 A ponte é denominada oficialmente do lado brasileiro de Ponte Getúlio Vargas e do lado argentino de Agustin Justo. 67 Conforme informações da comunidade local, através da Ponte são escoados 5% do total das exportações brasileiras destinadas aos países do Cone Sul. 68 No ano de 2000, já havia um estudo para transformar a distribuição de correspondências entre as duas cidades em local, evitando que uma carta de Livramento tivesse que ir ao Rio de Janeiro para então ser encaminhada a Rivera. 69 Curso que possui a duração de seis anos e corresponde ao final de nosso ensino fundamental e ensino médio. 70 Estas trocas são freqüentes. No Carnaval de 2001, a prefeitura de Rivera contratou uma escola de samba gaúcha para animar a festividade, pois a prefeitura de Livramento não tinha recursos para aplicar no evento que foi desfrutado por riverenses e santanenses. topo |
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